“TIVE ÊXITO ONDE O PARANÓICO FRACASSA”: TEORIA E TRANSFERÊNCIA(S) Chawki Azouri

Chawki Azouri – 2017
Prefácio de Élisabeth Roudinesco

Resumo:

Este é um livro excepcional, escrito por uma psicanalista para psicanalistas. E também para aqueles que se interessam pela paranoia e suas construções delirantes. Num trabalho refinado, Chawki Azouri, libanês formado no círculo lacaniano em Paris, ousou entrar na intimidade dos cruzamentos transferenciais entre Sigmund Freud e seus principais interlocutores – Wilhelm Fliess, Carl Gustav Jung, Sándor Ferenczi e Ernest Jones -, para interrogar a surpreendente teoria erigida pelo fundador da psicanálise em seu estudo sobre o presidente Schreber. Ao percorrer com minúcia e erudição os principais trabalhos que, depois de Freud, se debruçaram sobre o mais famoso caso de paranoia da história psicanalítica, Azouri se pergunta por que Freud, em seu exame, não valorizou os terríveis escritos educativos do pai de Schreber, que desvelam sua relação com a lei, bem como questões essenciais como a linhagem, a transmissão do nome e a procriação, devidamente valorizadas, cerca de quatro décadas depois, por Jacques Lacan. Nesse contexto, a ênfase freudiana na homossexualidade como fator preponderante na gênese da paranoia parece não apenas servir como uma teoria-resistência contra a emergência da questão paterna e o estabelecimento da filiação que daria prosseguimento à obra do pai da psicanálise, mas também espelhar intensos conflitos transferenciais e de precedência entre este e os primeiros psicanalistas à sua volta. “Tive êxito onde o paranoico fracassa”, famosa frase escrita por Freud numa carta a Ferenczi, em que ele se refere implicitamente a Fliess, abre-se assim à sua polissemia. Além de significar o triunfo manifestado por ele diante da conquista de um reino que se achava mítico, quer dizer também – e, talvez, mais essencialmente – que a sombra da paranoia ameaça a psicanálise em sua própria estrutura. Afinal, nada mais próximo a esta do que um discurso que, pela fala do sujeito, busca desvelar outros sentidos no que se diz. E, evidentemente, no que não se consegue, não raro, escutar. Marco Antonio Coutinho Jorge.