FORMAÇÃO DO PSICANALISTA
“A questão da formação do psicanalista não poderia ser mais premente para a psicanálise de hoje, quando se faz um balanço dos avanços introduzidos por Lacan nesse âmbito e se os ajusta ao funcionamento de suas escolas contemporâneas. Além disso, a busca de regulamentação da prática da psicanálise em muitos países tem exigido dos analistas vigor na afirmação da especificidade de sua experiência, assim como a explicitação e a reelaboração dos dispositivos que estão em jogo na formação de seus operadores.
Como ressalta Alain Didier-Weill em “Por um lugar de insistência”, após ter enunciado na “Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola” que “o psicanalista só se autoriza por si mesmo”, em “O Seminário, livro 21: Les non-dupes errent”, na aula de 9 de abril de 1974, Lacan acrescentou ao seu enunciado esta quatro palavras: “e por alguns outros”. De certo modo, toda a problemática inerente à formação do psicanalista se acha embutida nesse enunciado e no acréscimo que lhe foi feito por Lacan. Quem são esses alguns outros? Como participam nessa autorização do analista? Ao passo que o enunciado original se refere à análise pessoal, por meio da qual o psicanalista, sozinho, chega atingir essa autorização, as quatro palavras posteriores incluem em tal autorização precisamente os aspectos da formação que se situam mais-além da análise pessoal: o ensino teórico e a supervisão clínica.
Quanto a análise pessoal, Lacan introduziu a problemática de seu fim como elemento nuclear para conceber o surgimento do psicanalista como o operador da análise que emerge ao fim de uma experiência psicanalítica. O dispositivo do passe, introduzido por ele na Proposição de 1967, foi concebido como um verdadeiro método de pesquisa cujo objetivo era instaurar para os analistas um lugar de aprendizado sobre o que é o fim da análise.
No segmento relativo ao ensino, Lacan inovou com a criação de cartéis, que pretendem incentivar o trabalho de elaboração teórica e otimizar as trocas entre analistas. Inovou igualmente com um estilo de seminário em que a referência à experiência freudiana é onipresente e a ponderação analítica, um método. Desse modo, propôs múltiplas formas ao desejo de saber, que, para nós, é o verdadeiro laço entre analistas. Por si só, a noção de transferência de trabalho implica uma reversão do trabalho de transferência, se é verdade que do saber obtido em uma análise com a travessia da fantasia emerge finalmente o não-saber que erige o desejo de atravessar a teoria.
No tocante à supervisão, Lacan a retirou do cinturão institucional que transforma o desejo em obrigação, levando-a até o percurso de formação como algo que se impõe com a mesma legitimidade que é requerida pela psicanálise em sua experiência intensiva. Trata-se, assim, de incluir a supervisão no tempo de cada sujeito, e não mais de coaduná-la com um controle institucional que retira dela a força que lhe é inerente. Lacan renovou o estatuto da supervisão e lhe conferiu um relevo fundamentalmente analítico que é diverso do mero controle, termo pelo qual, aliás, ela é conhecida na língua francesa.”
LACAN E A FORMAÇÃO DO PSICANALISTA, organizado por Marco Antonio Coutinho Jorge, Coleção Janus, Contra Capa, 2006.