Eliana Luiza dos Santos Barros – 2014
Resumo:
Este livro de Eliana Barros é um delicado, honesto, respeitoso e interrogante olhar sobre a poética de Florbela Espanca, Para ela, não se trata de psicanalisar a escritora e menos ainda sua obra. Com Lacan, Eliana aprendeu que o escrito não pertence à ordem do compreensível, mas certamente à do intangível, do inefável. A letra é um saber inconcluso que se debate entre o vazio e o nada, lidando com a ausência, com a falta, sempre no afã de cerzir o transbordante oco desse desamparo. Escrever é, antes, uma maneira de não se apartar do mundo, de nele se inscrever, ao mesmo tempo que nascemos dele, assistindo ao nosso próprio parto, ao nosso próprio dar à luz. A escrita adia a morte; daí que o testemunho da arte nos seja tão vital! Tanto quanto Freud, Eliana permanece atenta, neste trabalho, àquela “vasta gama de coisas entre o céu e a terra” incrustada nas obras, e ”com as quais a nossa filosofia ainda não nos deixou sonhar” – como bem nos elucida o nosso Velho austríaco. Também Florbela detém essa memória sobre a qual nada se sabe. A sua poética de inquietude e de desassossego talvez emane da ambivalência do amor, em peregrina e insistente busca da plenitude absoluta – por isso sempre baldada. Assim, nos jogos dessa rima soante e primordial (essa entre “amor” e “dor” que já comparecia na poesia cortês ou de estrato campesino, desde os primórdios, desde o medievo da nossa língua), o afeto desmesurado de Florbela é ora acalenta(dor), ora arrebata(dor). Se a dor é o derradeiro esteio que ainda nos isola da loucura e da morte, a escrita, modo de elaborar e de organizar essa terrível aflição, não seria (como pergunta a estudiosa) uma saída para o sofrimento? Observe-se que Eliana Barros não pretende explicar aquilo que essa escrita comunica, mas antes desbastar, desentranhar o processo psíquico que preside a tais mensagens. De modo que ela invoca as proximidades e distâncias entre luto e melancolia, entre gozo e desejo, entre as variegadas e espantosas investiduras do amor. Parece ser, portanto, mais do estatuto da melancolia, do gozo e do amor-paixão que a obra de Florbela Espanca se nutre. Assim, sabia o leitor: tomando para si este volume, não estará apenas conhecendo Florbela, mas também os liames, os enlaces, as relações íntimas entre Psicanálise e Literatura. Ambas caminham, de mãos dadas, na contramão da cultura. Maria Lúcia Dal Farra.