V JORNADA DA RAP
“SUA MAJESTADE, O EU:
NARCISISMO NA CLÍNICA E NA CULTURA”
31 MARÇO e 1ºABRIL 2023
RIO DE JANEIRO
HOTEL WINDSOR FLAMENGO
O conceito de narcisismo esteve no centro da descoberta freudiana do inconsciente. Se hoje tal noção faz parte do vocabulário cotidiano mais corriqueiro, sua concepção significou um aprofundamento complexo e nada evidente da compreensão clínica psicanalítica.
O lugar ocupado na obra freudiana pelo ensaio de 1914 Sobre o narcisismo – uma introdução é o de um ponto de virada radical: a partir dali, as manifestações da sexualidade humana passaram a ser abordadas numa vertente absolutamente inédita, na qual o Eu adquiriu um contorno preciso conectado à imagem do corpo. Além disso, fica entendido que a imagem do Eu imanta as pulsões sexuais em sua direção e, surpreendentemente, torna o corpo o primeiro objeto sexual para o próprio sujeito. O ternário autoerotismo /narcisismo /relação de objeto é alçado à condição de estrutura.
Assim, a função estruturante do narcisismo estabelece um antes e um depois, pois delimita campos subjetivos específicos: frágil ou mesmo ausente na esquizofrenia, dominante e tirânico na paranoia, o Eu narcísico se apresenta em todas as estruturas clínicas em sua impressionante potência.
Será a noção de libido do Eu, distinta da libido de objeto, que constituirá a plataforma giratória que conduzirá Freud ao segundo dualismo pulsional, no qual a pulsão de morte surge, enfim, para dar à teoria das pulsões seu acabamento definitivo. A compreensão do aparelho psíquico ganha enorme complexidade a partir da teoria freudiana da segunda tópica e os textos subsequentes dão testemunho disso.
Fato de estrutura, as manifestações do narcisismo se enraízam nas mais diversas ocorrências subjetivas e culturais. Na vida cotidiana, o narcisismo das pequenas diferenças produz toda espécie de estragos nas relações humanas. No universo das redes sociais, o narcisismo assumiu grande protagonismo, expresso de modo cabal na cultura do cancelamento, dos likes, das polarizações extremas e do empoderamento através das imagens veiculadas incessantemente nas redes.
No Facebook, a face predomina desertada de Janus; no Instagram, o instantâneo fotográfico impõe sua força a cada segundo e submete os grupos sociais a seus algoritmos; nas imagens sedutoras do Tinder, do Grindr e do Badoo, a imagem reina, poderosa; no BeReal, o privado se torna espetáculo público.
Em suma, são muitas as questões colocadas para a reflexão dos analistas sob o prisma do narcisismo em todas as suas dimensões – da clínica e da cultura. Qual é o preço do redobramento do sujeito sobre sua imagem que é proposto pelo mundo de hoje? Da desconexão consigo mesmo proposta continuamente para dar lugar à conexão imaginária com o outro? Qual é o preço da redução drástica do simbólico à comunicação imediata e superficial dos emojis (já se fala em emojipédia)? Qual é o preço da cooptação da curiosidade infantil nos jogos que exercitam a agilidade mental para o combate, numa dicotomia cabível, por sua estreiteza, à inteligência artificial? Por fim, retomando o vaticínio de Lacan segundo o qual “o racismo vem do futuro”, qual o preço pago pela civilização quanto às segregações de raça, religião e cultura devidas à crescente expansão dos movimentos migratórios?