Convocatória
XIV ENCONTRO NACIONAL E XIV COLÓQUIO INTERNACIONAL DO CORPO FREUDIANO ESCOLA DE PSICANÁLISE

O LABORATÓRIO DO ANALISTA: ÉTICA E POÉTICA

 

Em sua relação com aqueles que foram classicamente considerados como os quatro grandes caminhos do homem – arte, ciência, filosofia, religião –, a ciência da psicanálise sempre se enriqueceu no diálogo com a arte e neste campo, mais especialmente ainda, com a criação literária, refletida por Sigmund Freud em sua relação com o fantasiar e a brincadeira da criança.

Não hesitando em nomeá-la como “ciência da literatura”, Freud dizia aprender com os escritores, considerava Shakespeare um “grande psicólogo”, e afirmava que nós, psicanalistas, estamos sempre passos atrás das revelações que eles fazem: Goethe, Dostoiévski, Hoffmann, Heine, Cervantes entre outros – as obras de grandes escritores e poetas foi uma contínua fonte de iluminação e poderosos insights para o fundador da psicanálise.

A sintonia de Freud com a criação literária foi mais longe do que a mera reverência, pois sua própria obra científica foi reconhecida em sua esplêndida qualidade literária com o Prêmio Goethe, maior condecoração da literatura em língua alemã. Analisando esse intenso interesse de Freud pela obra literária e salientando o novo gênero literário híbrido por ele criado – a ficção teórica –, Laéria Fontenele formulou a fecunda interpretação de que o mestre vienense colocava o escritor criativo no lugar de Sujeito suposto Saber, o que nos permite entender que a literatura constitui parte essencial da transmissão da psicanálise e da formação dos analistas.

Jacques Lacan, por sua vez, sempre manteve em seu ensino um elevado teor poético, desde suas primeiras teorizações sobre o inconsciente-linguagem – em que aproxima o mais possível o inconsciente do discurso poético –, até as revolucionárias hipóteses teórico-clínicas extraídas de sua leitura da incensada obra de Joyce. Como ele salientou, dando relevo à interação entre a poética e a intervenção do analista, “a poesia é efeito de sentido, mas igualmente efeito de furo. Só a poesia permite a interpretação”. Alain Didier-Weill acrescentaria na mesma direção que cada analisando constrói, em sua análise, seu poema singular.

Na trilha dos mestres fundadores, analistas de várias correntes de pensamento psicanalítico recolhem conhecimento sobre a alma humana nas grandes obras literárias, que indicam, através de rotas absolutamente originais, as vias que dão acesso à estrada perdida do inconsciente. Em seu amor por nossa bela língua, os psicanalistas têm se debruçado sobre obras que se situam no escopo das grandes obras universais: Machado, Clarice, Rosa, Adélia, Cecília, Pessoa, Bandeira, Hilda, João Cabral, Graciliano, Saramago… a lista não acaba nunca.

O XIV Encontro Nacional e Colóquio Internacional do Corpo Freudiano Escola de Psicanálise elegeu o tema da poética como aquele a ser privilegiadamente abordado no Laboratório do Analista, no qual ciência e arte estão entrelaçadas em sua ética centrada no desejo e na escuta do sujeito do inconsciente.

Este é o nosso convite entusiasmado aos analistas que, “amantes da palavra”, como no dizer de Betty Milan, por seu amor pela língua, pela literatura e pela poesia, exercem a psicanálise com paixão.

Marco Antonio Coutinho Jorge