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SECRETARIA CLÍNICA

A Secretaria Clínica, criada em outubro de 1997, vem, desde então, se dedicando ao estudo sistemático de temas ligados à clínica psicanalítica, particularmente o lugar da interpretação na direção do tratamento. O Corpo Freudiano considera que o ensino de Lacan, em oposição ao que muitas vezes se afirma sem conhecimento de causa, é eminentemente clínico: com ele, Lacan visava “produzir efeitos de formação de analistas”.

Proposição de 2 de julho de 2014

Na Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o analista da Escola, Lacan afirma que “o psicanalista só se autoriza por si mesmo.” Este princípio não entra em contradição com o fato de que uma Escola deve garantir a formação do psicanalista e que este, por sua vez, pode querer essa garantia. Aliás, para Lacan, essa demanda de garantia faz com que o psicanalista se torne não só responsável pelo progresso da Escola, mas também “psicanalista da própria experiência”. 

Seis anos mais tarde, em Nota Italiana, 1973, Lacan retoma esse princípio para dizer: “O analista só se autoriza por si mesmo, isso é óbvio. (…) Autorizar-se não é auto-ri(tuali)zar-se. Pois afirmei, por outro lado, que é do não-todo que depende o analista. Não-todo ser falante pode autorizar-se a produzir um analista. Prova disso é que a análise é necessária para tanto, mas não é suficiente. Somente o analista, ou seja, não qualquer um, autoriza-se apenas por si mesmo.” 

Moustapha Safouan, depois de comentar que esse aforismo de Lacan suscitou medo na comunidade psicanalítica, afirma que “todo aquele que reconhece a faculdade que o sujeito tem de tomar uma decisão por sua conta e risco, sem recorrer a nenhuma instância, exceto a heteronomia do desejo, verá imediatamente que o ‘analista só se autoriza por si mesmo’. (…) Mas, em vez de nos deixarmos invadir pela angústia, melhor nela nos apoiarmos para fazer esta pergunta que ele nos deixa: como uma análise que se dirige não ao Eu enceguecido pela miragem de sua autonomia, mas ao lugar de onde o desejo, indestrutível, fez Aqueronte se curvar, prepara (a análise) o terreno para essa autorização?” 

Alain Didier-Weil, também se referindo a essa máxima, comenta: “somos convidados a voltar para o significante que Lacan, para espanto da comunidade psicanalítica, proferiu um dia ao dizer que o analista só poderia se autorizar por si mesmo. A banalização introduzida pela repetição excessiva desse enunciado tende, hoje, a fazer esquecer o extraordinário paradoxo que, em seu tempo, ele fez emergir: não é por falar com autoridade que um analista se autoriza fazê-lo; muito pelo contrário, a autoridade do discurso do mestre sustenta-se numa renúncia íntima ao ato de se autorizar, num recalcamento desse enigmático desejo de transmissão que Lacan denominava desejo x. A maneira como Lacan aprofundou incessantemente o enigma vinculado pelo ato de se autorizar levou-o a enunciar qual podia ser, na visão dele, o tipo de ateísmo viável a que uma psicanálise poderia conduzir: prescindir da autoridade do significante do Nome-do-Pai com a condição de saber fazer uso dele.”

Marco Antonio Coutinho Jorge, referindo-se ao acréscimo — “e por alguns outros” — que Lacan fez ao seu aforismo, no Seminário 21: Les non-dupes errent, lição de 9 de abril de 1974, afirma que os dispositivos de Ensino, Clínica e Publicação do Corpo Freudiano visam dar certa feição a estes “outros” e chamá-los a intervir no processo de formação do psicanalista. Da premissa que “faz-se necessária uma práxis da teoria” nasce à criação de uma Secretaria destinada à clínica.

A Secretaria Clínica não é um Serviço de Psicologia Aplicada (SPA), tal como é oferecido pelas faculdades de Psicologia. Regida pela “ética da psicanálise, que é a práxis de sua teoria”, os dispositivos se organizam em torno do tripé: Análise, Supervisão e Prática Clínica. Seguindo a orientação da Escola Francesa de Psicanálise, criada por Lacan, em 28 de fevereiro de 1971, esse tripé se sustenta na diferença entre escolha do analista e candidatura à Escola.

Em relação à análise, Lacan considera que o candidato deve ser “livre para escolher seu analista”. Marco Antonio Coutinho Jorge também defende essa posição: “a transferência analítica de cada sujeito, mola propulsora da análise, é, assim, respeitada, e não poderia deixar de sê-lo. A análise opera pela associação livre e livre é seu modo de estabelecimento inicial: a escolha do analista é parte integrante dessa associação. Ninguém domina a transferência, nenhum mestre, nenhuma instituição, nenhuma Escola. Impor a transferência é ferir seus princípios em sua base ética ligada ao desejo. A transferência é um vetor único enraizado no inconsciente. Dirigi-la é pretender orientar o inconsciente e não seguir a orientação do inconsciente, tal como recomendado por Freud. Se a análise opera com o saber inconsciente e não com o saber sobre o inconsciente, isso impede desde o início qualquer mestria, qualquer dominação. O analista dirige o tratamento e não o sujeito, e, se seu poder é ilimitado, sua ética se centra em sua absoluta não utilização.”

A Secretaria Clínica é constituída por três dispositivos: Ensino,  Supervisão e Clínica da Escola.

Ensino, destinado a todos os Analistas em Formação, é constituído por seminários, encontros e cartéis que visam o estudo dos casos clínicos de Freud (Dora, Pequeno Hans, Homem dos ratos, Schreber, Homem dos Lobos, Jovem Homossexual); das estruturas clínicas estabelecidas por Lacan (psicose, perversão e neurose); e das questões relativas à prática clínica (transferência, resistência, repetição, interpretação etc).

Supervisão  individual, recomendada a todos os Analistas em Formação, realizada com um Analista da Escola.

Supervisão em grupo destinada a todos os Analistas em Formação que participam do Ensino e que têm ou já tiveram experiência clínica.

No caso da supervisão em grupo, Marco Antonio Coutinho Jorge criou o dispositivo  Transmissão do caso clínico.

Esse dispositivo tem como objetivo primordial estimular o trabalho de reflexão sobre a clínica e fortalecer o compromisso com a transmissão da experiência da análise, necessário à sustentação da causa analítica.

Trata-se de uma supervisão individual realizada em grupo, constituído, por 5 Analistas em Formação e pelo  Supervisor, o qual deve pertencer ao quadro de Analistas da Escola. É facultativo o convite de Analistas da Escola pelo Supervisionando e pelo Supervisor.

O dispositivo se compõe de dois tempos:

1o tempo: um Analista em Formação apresenta um caso clínico para seus pares, para o Supervisor e para os Analistas da Escola convidados. O Supervisor levanta questões para serem elaboradas com o Supervisionando. Todos ouvem sem se pronunciar. Ao final da supervisão, somente os Analistas em Formação podem apresentar questões para serem discutidas com o Supervisor e  o Supervisionando.

2o tempo: é desejável que o Analista em Formação escreva um texto, no qual elabora sua experiência clínica com o caso, a partir da supervisão que teve.

Há um vetor transferencial na supervisão e é dele que emana o trabalho do inconsciente, pois, como diz Lacan, a transferência é a atualização da realidade do inconsciente. Este vetor nasce no analisando e chega ao analista, cabendo ao Supervisor recolhê-lo em sua dimensão de suposição de saber, avaliando a sua incidência sobre o supervisionando e devolvendo a ele a escuta da fala do seu analisando. Os outros escutam. Ao se pronunciarem, estão fora desse vetor e só podem falar do que observaram  justamente de fora.

Pretende-se com esse funcionamento cortar os efeitos anti-analíticos do palpite, da peruagem, do achismo comuns na supervisão em grupo, que não servem para nada, a não ser reduzir a densidade da experiência psicanalítica à banalidade da compreensão psicológica.

Rio de Janeiro, 20 de março de 2014.

Nadiá Paulo Ferreir

Coordenadora da Secretaria Clínica