O CORPO E A CARNE


“O corpo, ele deveria deslumbrá-los mais”.

Jacques Lacan

O VI Encontro Nacional e VI Colóquio Internacional do Corpo Freudiano irá abordar as diversas dimensões do corpo na psicanálise – onipresentes desde os primórdios da descoberta freudiana. O que surgiu com ela foi um corpo reinventado. A teoria freudiana indica, através dos conceitos de pulsão sexual, narcisismo e pulsão de morte, as vias de abordagem do corpo que foram abertas pela experiência clínica psicanalítica. O estágio de alguns meses com Charcot determinou de modo decisivo o interesse de Freud pelos sintomas da histeria, em que uma anatomia fantasística é atravessada pela libido e pelo inconsciente. Como mais tarde observou Lacan, “na histeria tudo é exibição do corpo evocando gozo” Situando a pulsão no limiar entre o somático e o psíquico, sediando-a especialmente nos orifícios corporais, Freud amplia a sexualidade humana, situando-a nas zonas corporais erogeneizadas pelas trocas linguajeiras que se estabelecem entre o sujeito e o Outro. A sexualidade excede ao aparelho genital e se revela infiltrada em todas nossas atividades humanas para aquém e para além do coito sexual. Uma nova clínica abriu-se no horizonte e Freud não hesitou em descobrir em sua prática as marcas desse corpo erógeno não só no inconsciente, mas também nas fantasias que sustentam o desejo. O sintoma se revela como um modo de satisfação pulsional substitutiva e, já que o eu é o maior sintoma do sujeito, Freud chega a ele pelo estudo da imagem corporal, verificando a participação do narcisismo em sua constituição e o conflito radical frente às exigências pulsionais. Esse mapeamento do corpo descobre novos domínios: a hipocondria, o fetichismo, a paixão amorosa e a psicose. Lacan, ao invés de começar, como Freud, pelo valor simbólico do sintoma, elabora a teoria do estádio do espelho, em que desenvolve os conceitos de imaginário e do eu, para em seguida se deter nas formações do inconsciente. Apenas o terceiro passo ocupa o mesmo lugar terminal na obra de Freud e no ensino de Lacan: o corpo em sua dimensão mais opaca e refratária à linguagem e à imagem, que é o corpo como lugar da re-petição de gozo. Os diversos transtornos que ganham atualmente espaço nos “manuais” psiquiátricos parecem se nortear pelas incidências fenomênicas que se exacerbam em nossa sociedade do espetáculo. Bulimias, anorexias, obesidades, toque, pânicos, cutting, compulsões, adições, manipulações irreversíveis, transformações corporais extremas – estes são alguns dos quadros que focalizam um corpo gozante que transcende a carne, a subverte e até mesmo a tripudia, revelando que o que anima a carne é o mesmo que a condena a ex-sistir como corpo.

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